Tratou de se ver ao espelho.
Examinou a face, outrora infantil, coberta por pêlos faciais, recalcada com umas olheiras de quem tem muito em que pensar e pouco em que reflectir, e ponderou.
Deu muito de si aos outros.
Não era tão ingénuo que não o soubesse, nem tão humilde que não o admitisse.
Sabia que muitas vezes tinha posto a felicidade dos outros à frente da sua; que tinha feito escolhas que em nada o ajudariam no seu futuro; que tinha aturado muito que poderia ter evitado facilmente.
Mas preferira assim.
Não era um mártir, longe disso.
Mas pensava que realmente, e apesar de todos os seus defeitos, e apesar de todas as suas falhas, tinha estado longe daquilo que havia planeado para si, pois a sua dedicação aos outros sobrepunha-se constantemente a tudo o resto.
Era um apaixonado.
E não fazia questão de o esconder.
E por muito romântico que fosse, e por muito que quisesse dar aos outros, chegara a sua vez....
Com um sorriso na cara, limpou o rosto molhado pela água fria, e girando sobre os calcanhares, saiu procurando algo mais...
Saudações laboriosas,
By GoGaN^
Sentia-se radiante.
Ali, sentado defronte o jardim mal-cuidado, onde ervas daninhas teimavam aparecer e onde as cores vazias e escuras abundavam, era contagiado pelo pouco sol que a tarde insípida lhe trazia.
Era o início da tarde, e para ele era o início do seu dia.
Enquanto a sua cabeça vazia perscrutava algo, sentia apenas a leve e doce brisa bater-lhe na face, cuidadosa, lenta. Apreciava o movimento descontínuo das ervas e o ledo piar dos pintos.
Era ele. Quer quisesse quer não era assim.
Já por várias vezes tentara recuar e perceber o seu passado. Já por várias vezes procurara perceber o seu caminho e as suas escolhas.
Mas dava sempre por si absorto em nadas, encontrava-se sempre no meio de não respostas e perdido em conclusões.
Sentia-se radiante.
Apercebendo-se que todos os seus esforços para ser alguém estavam a ser bem recebidos, imaginava-se feliz.
Conhecia os seus defeitos e os seus pontos fortes. Não era estúpido suficiente para não admitir que não era perfeito.
Tentara, era verdade, aproximar-se da perfeição, subjugando-se aqui, mostrando-se ali, sempre na tentativa de fazer os outros felizes.
Mas depressa apercebera-se que esta estranha forma de ser só o levaria ao desgosto, e então mudara.
Tornara-se ele próprio. Mais sério. Mais real. Mais imperfeito.
E desde esse dia pensava que estava melhor. Sabia que estava melhor. Sentia que estava melhor.
Sentia-se radiante.
Como uma criança no dia de Natal.
Aquele vento, aquele sol, aquelas ervas, despertavam-no para o mundo.
Tomava consciência daquilo que era e do que o rodeava.
E por entre bens matérias, sentimentos bem reais e alguns relacionamentos a mais, sentia-se radiante.
Saudações Radiantes
Vagueava.
Não sabia que destino tomar, pois as ruas eram quase todas estranhas, mas sabia, tinha a certeza que ali não queria ficar.
Ao sabor do vento gelado que se fazia acompanhar de uns tímidos raios de sol, procurava algo que lhe faltava.
Não sabia o quê. Mas, que os Deuses o valessem, havia de encontrar.
Vagueava.
Sem rumo, sem sentido, sem orientação. Sozinho no meio da multidão.
Dançavam pedintes, voavam pombas, corriam trabalhadores, conversavam amigos, vendiam-se peixeiras, olhavam-se montras, e ainda assim continuava alheado.
Observava.
Naquela gélida manhã tudo fazia sentido.
Era um nada no meio de tudo. À sua volta viu a diversidade. E ficou com medo.
Um medo genuíno, apenas destinado aqueles que procuram algo.
Observava.
Enquanto caminhava, sentia cada vez mais as suas forças e as suas fraquezas. Enquanto caminhava redescobria-se a si mesmo através dos outros.
E pensava.
Havia deixado há muito a vida real.
Já era tempo de voltar. Fugir da vida de sonho e entregar-se à sua pequenez.
Já não vagueava.
Redescobrira-se.
Saudações Reinventadas.
Corria.
Sem destino, sem desculpas, sem sentimentos.
Apenas corria.
E aquele correr era muito mais que uma fuga, era mais que um desejo fugaz.
Era o destino.
Sabia de antemão que algo em si era diferente, algo em si não batia certo.
Para uns era anormal, para outros era único.
Mas sentia-se à margem. Sempre posto de parte. Nunca se encaixava.
Tentou, esperou e desesperou por atenção. Deu um pouco de si, quis um pouco dos outros, mas nunca teve nada disso.
Apenas indiferença mal disfarçada.
E correu.
Criança:
(Excitada)
- Mamã, mamã, olha aqui isto! O homem da televisão disse que alguém se atirou para a frente do comboio esta manhã…
(Mãe leva uma mão à boca ao ver as imagens)
- Mamã, porque é que as pessoas fazem estas coisas?
(A Criança, ingénua, tem os olhos brilhantes)
Mãe:
- Às vezes meu amor, a vida das pessoas não é tão simples que elas possam entender, e algumas pessoas quando estão mais frágeis, tomam decisões estúpidas…
(A Criança deixa cair uma lágrima de cada olho, mas mantém-se firme)
Criança:
- Mas então quer dizer que preferem atirar-se para a frente de um comboio do que continuar como estão? Elas nunca mais vão poder acordar com o sol, comer torradas de manhã, brincar com os seus amigos ou jogar às escondidas!
- Mamã, eu nunca vou fazer isto! Preferia morrer!
(A Mãe abraça a Criança e começa a chorar silenciosamente, no sofá onde ambas estão sentadas. A ingenuidade da Criança comoveu a Mãe)
Mãe:
- Sim, meu amor, é preferível morrer…
. GoGaN^